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Adoçantes artificiais modificam resposta intestinal à glicose



Lisboa, Portugal - O consumo habitual de adoçantes artificiais comumente encontrados nas bebidas diet e/ou light altera a resposta intestinal à absorção da glicose — comprometendo a absorção da glicose, a resposta glicêmica e a resposta do peptídeo 1 semelhante ao glucagon (GLP-1, do inglês Glucagon-Like Peptide-1) — indicam os resultados de um pequeno estudo com voluntários saudáveis, o primeiro estudo realizado em humanos.

Estes resultados foram apresentados na reunião anual de 2017 da European Association for the Study of Diabetes (EASD) 2017.

Os altos níveis de consumo de adoçantes artificiais podem, portanto, predispor as pessoas ao diabetes tipo 2, considera o pesquisador responsável Dr. Richard Young, médico da Adelaide Medical School, na University of Adelaide, Austrália.

"Duas semanas de complementação com edulcorantes artificiais na dieta aumenta a absorção da glicose, a resposta glicêmica à glicose, e diminui a resposta do GLP-1", disse o Dr. Young, ao apresentar os principais resultados do estudo.

"Isso significa que, de acordo com os resultados deste ensaio clínico (...) os adoçantes artificiais podem limitar o acesso da glicose às porções mais distais do intestino, e diminuir a exposição da glicose às células distais que liberam o GLP-1".
Adoçantes artificiais comparados ao placebo 

"A relação entre as bebidas adoçadas com açúcar e o diabetes tipo 2 promoveu mudanças políticas, como a introdução de impostos sobre essas bebidas, na tentativa de reduzir o consumo", observou o Dr. Young.

Como alternativa, os adoçantes artificiais são utilizados nas bebidas e alimentos chamados "diet" ou "light", mas atualmente há controvérsias sobre se essas substâncias fazem mais mal do que bem.

Trabalhos anteriores do grupo do Dr. Young demonstraram que trocar as bebidas açucaradas por bebidas contendo adoçantes artificiais não calóricos não determina menor risco de diabetes tipo 2.

De fato, a associação entre as bebidas contendo adoçantes artificiais não calóricos e risco de diabetes tipo 2 é semelhante à observada com as bebidas açucaradas, mesmo depois do ajuste por adiposidade e consumo de energia (muitas vezes as pessoas com pré-diabetes adotam as bebidas contendo adoçantes artificiais não calóricos como alternativa ao açúcar), disse o pesquisador.

Até este estudo, não se sabia se o os adoçantes artificiais não calóricos alteravam ou não a absorção da glicose nos seres humanos e, caso o fizesse, se isso teria repercussões negativas no controle da glicemia pós-prandial.

Foram recrutados voluntários saudáveis e os pesquisadores avaliaram os efeitos da complementação da dieta com bebidas contendo adoçantes artificiais não calóricos combinados (como sucralose e acessulfame potássico, comuns nas bebidas diet e/ou light) durante duas semanas em um ensaio clínico duplo-cego, randomizado de grupos paralelos.

Inicialmente, foram selecionados 60 participantes, e os que tinham consumo elevado habitual de edulcorantes artificiais foram excluídos. Os participantes tinham em média de 27 anos de idade, índice de massa corporal de 24 kg/m2 e 14 eram do sexo masculino. Após um período de jejum na noite anterior, os participantes foram submetidos a uma endoscopia com infusão intraduodenal de glicose durante 30 minutos (30 g/150 mL, 3 kcal/min, contendo 3 g do análogo da glicose 3-O-metil-D-glicose — 3-OMG) com coleta de biópsia antes e imediatamente após a intervenção.

Os cientistas avaliaram os efeitos na absorção da glicose nas respostas glicêmicas à infusão intraduodenal de glicose, e na produção de insulina e hormônios intestinais, como o polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose (GIP, do inglês Glucose-dependent Insulinotropic Polypeptide), e os peptídeos 1 e 2 semelhantes ao glucagon (GLP-1 e GLP-2).

Os participantes, cegos para o que tomavam, receberam suplementos (tomados em cápsulas três vezes ao dia antes das refeições) contendo adoçantes artificiais não calóricos combinados (N = 17), equivalentes a tomar 1,2 a 1,5 L de bebidas diet e/ou light por dia, ou placebo (N = 16).

As avaliações foram realizadas depois de os participantes tomarem as cápsulas contendo adoçantes artificiais não calóricos ou placebo durante duas semanas. Neste momento, os voluntários tiveram suas respostas à glicose testadas, examinando-se a absorção de glicose, a glicemia, e os níveis de insulina e dos peptídeos intestinais.

Absorção da glicose e aumento da resposta glicêmica 

Em relação à absorção da glicose, os dois grupos apresentaram padrões de absorção semelhantes ao início do estudo em resposta à glicose enteral.

Mas "após duas semanas de complementação com adoçantes artificiais não calóricos, houve um aumento significativo da absorção da glicose em 90 a 120 minutos após o início do consumo de glicose. Mostramos que os edulcorantes artificiais aumentam a captação da glicose", informou o Dr. Young. Houve uma diferença de 20% entre a absorção da glicose no grupo placebo e do suplemento contendo adoçantes artificiais não calóricos (P ≤ 0,05).

Os dois grupos apresentaram respostas glicêmicas à glicose enteral semelhantes antes do estudo, porém a suplementação com adoçantes artificiais não calóricos aumentou os níveis de glicose plasmática em 24% em comparação ao placebo (P < 0,05).

Em relação ao GLP-1, que atua limitando o aumento da glicemia após as refeições, os dois grupos foram mais uma vez bem pareados em resposta à glicose enteral antes da complementação com adoçantes artificiais não calóricos.

Contudo, após as duas semanas da suplementação, "os participantes que consumiram edulcorantes apresentaram menor risco de resposta do GLP-1 à glicose enteral", informou o Dr. Young. "Os voluntários que receberam a complementação apresentaram 34% de redução da resposta do GLP-1 (P < 0,05) em comparação aos que receberam placebo.

"Possivelmente, essa resposta reflete a diminuição da exposição à glicose das células L mais distais", acrescentou o autor.

As respostas do GLP-2, do polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose, e da insulina à glicose enteral, foram semelhantes entre o grupo de participantes que receberam edulcorantes artificiais e placebo, embora os níveis de GLP-2 e de insulina tenham sido menores de 40 e 60 minutos após a carga de glicose, respectivamente, no grupo recebendo adoçantes artificiais não calóricos (37% para ambos vs. os valores ao início do estudo, P ≤ 0,05).

Resultados incentivam mais e maiores estudos 

Os achados destacam "o potencial dessas respostas nos consumidores habituais de adoçantes artificiais e embasam o conceito de que os adoçantes artificiais podem reduzir o controle corporal dos níveis de açúcar no sangue, exacerbando os níveis pós-prandiais da glicose, o que poderia predispor ao diabetes tipo 2", observou o Dr. Young.
O pesquisador também observou que esses resultados incentivam a realização de estudos maiores e a investigação dos mecanismos responsáveis. "Estamos fazendo isso ao estudar as células obtidas neste estudo, bem como estudando o microbioma", disse o autor, com vistas às próximas etapas do próprio trabalho.

Comentando os resultados, Dr. Viktor Jörgens, médico e ex-diretor-executivo da European Association for the Study of Diabetes, de Dusseldorf (Alemanha), que participou da sessão, disse que este foi "um estudo brilhante".

Dr. Jögrens observou que, "como as células L recebem menos glicose, elas produzem menos GLP-1, sendo essa a razão pela qual essas pessoas têm níveis de insulina mais baixos e glicemia mais elevada. Acredito que este estudo tem poder suficiente para afirmar que este é de fato o mecanismo, e que é assim que funciona".

O Dr. Young informou não possuir conflitos de interesses relevantes ao tema.

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