Medicina do futuro será personalizada para cada paciente, afirma ganhador de Nobel.
Aaron Ciechanover diz que mapeamento genético pautará os tratamentos de saúde.
No meio da tarde, um homem sente dores no peito e decide procurar
atendimento em um hospital. Mas, ao invés de fazer exames para descartar
um infarto do miocárdio, por exemplo, o médico faz um mapeamento
genético que indica que aquele homem tem 70% de chance de desenvolver
mal de Alzheimer daqui uns anos. Parece ficção científica, né? Mas para o
bioquímico israelense Aaron Ciechanover, ganhador do prêmio Nobel de
Química 2004, esse é o futuro da medicina, que deverá ser personalizada.
— Na faculdade de medicina, aprendemos a tratar as doenças baseados nos
sintomas, isso não é problema dos estudantes ou do conhecimento, mas
está ultrapassado. Temos que partir do princípio da causa da doença.
Mulheres com câncer de mama, por exemplo, podem ter sido acometidas por
mutações diferentes, o que multiplica os tipos de câncer de mama. Então,
essas pacientes devem ser tratadas com drogas direcionadas para
determinada mutação. Os mapeamentos genéticos possibilitaram a
descoberta da doença antes que ela se manifeste. Essa será a maior
revolução da medicina de todos os tempos.
O mapeamento genético ficará mais comum e será o ponto de partida para
começar qualquer tratamento de saúde. Além disso, o procedimento pautará
a vida de milhões de pessoas. O homem que saiu do hospital com
diagnóstico de Alzheimer é um caso fictício, mas mostra bem como a
sociedade mudará com o avanço de tecnologia na área da saúde, afirmou
Ciechanover, durante palestra na Faculdade de Medicina da USP
(Universidade de São Paulo), realizada nesta quarta-feira (9), na cidade
de São Paulo. O cientista veio ao Brasil a convite da farmacêutica
Astrazeneca.
— O diagnóstico precoce de Alzheimer mudará toda a vida deste homem.
Será que o plano de saúde dele vai cancelar o contrato? Será que ele
deverá avisar o plano sobre a doença que ainda não se manifestou, então
nem pré-existente ela é ainda. Ele deverá contar para a mulher dele, que
possivelmente vai cuidar dele, mesmo sabendo que ele não a reconhecerá
mais quando a doença avançar? E será que os filhos dele também não terão
o mesmo gene? Como serão as vidas deles?
Um exemplo real e bastante conhecido de como o mapeamento genético pode
impulsionar decisões, às vezes consideradas drásticas, é o da atriz
Angelina Jolie, que retirou as mamas e os ovários.
A americana de 42 anos havia descoberto que tinha um gene que aumenta
significativamente o risco de desenvolver câncer de mama e ovário, que
mataram sua mãe, aos 56 anos.
O genoma humano foi descrito pela primeira vez nos anos 2000.
Atualmente, o valor do mapeamento genético custa cerca de U$ 10 mil (R$
36 mil). O bioquímico acredita que daqui a uns dez anos o valor poderá
cair para U$ 500 (R$ 11.800) e ser feito em poucos minutos por uma
equipe pequena. A medicina do futuro será personalizada para focar na
causa da doença, não nos sintomas, e terá como protagonista o próprio
paciente.
— O mais importante não é levado em consideração, que é a participação
do paciente. Hoje, a pessoa com câncer é tratada com quimioterapia e
radioterapia, mas a ideia é tratar a doença dentro do conceito do
paciente, de acordo com o repertório dele. Ele que deve decidir o seu
destino, não o médico. Aquela frase: “Eu sou seu médico e você deve
confiar em mim” será cada vez menos usada, pois hoje o paciente pesquisa
na internet, monta grupos de discussão etc. Então, o médico vai virar
apenas um consultor. Quem definirá as regras será o paciente. A medicina
vai mudar de forma drástica e atingirá o padrão ouro.
Angelina Jolie retirou as mamas e os ovários para evitar câncer
GettyImages
Ciechanover aposta que essa mudança atingirá em cheio a indústria
farmacêutica, que deve oferecer resistência, já que os medicamentos
levarão em conta todos os componentes do paciente para também de reduzir
o risco de efeitos colaterais, que matam milhões de pessoas.
— O desenvolvimento das drogas será mais complicado porque levará em
conta o DNA da pessoa. Entre 15% e 20% dos pacientes morrem em hospitais
dos EUA por causa das reações dos medicamentos, ou então os médicos
ficam naquela dúvida se vale mais o benefício que aquele medicamento
proporciona em virtude do efeito colateral que ele causa. No futuro,
poderemos fazer drogas personalizadas que garantirão mais benefícios.
Bioética
Outra questão polêmica que deverá ser bastante discutida é a bioética, explica o bioquímico.
— Com a popularização do mapeamento genético, é possível saber se o
filho de um casal herdará algum gene defeituoso dos pais, que poderá ser
modificado para que a criança nasça saudável. Além disso, dá para saber
como serão as características físicas. A grande questão é se
determinadas características não serão consideradas “doenças” para serem
modificadas, como cor dos olhos, cor do cabelo, estatura, se será gordo
ou magro.
O especialista ressalta que ainda não estamos preparados para essa
revolução na medicina, mas a divulgação de novas descobertas dá sinais
de que ela acontece aos poucos. No entanto, em tempos de fake news, em
que notícias falsas se espalham com velocidade astronômica e, na maioria
das vezes, confundidas com notícias verdadeiras, fica ainda mais
complicado para as pessoas saberem o que de fato está acontecendo com a
medicina. Para Ciechanover, é necessário mobilização por parte da
comunidade científica para minimizar este problema.
— A divulgação de fake news é um perigo terrível que nos ameaça e
devemos tomar muito cuidado com esse fenômeno. Porém, os cientistas não
sabem falar de forma clara que as pessoas entendam e isso atrapalha
ainda mais a comunicação com a sociedade. É preciso que a comunidade
científica se reconheça como parte da sociedade e busque os meios de
comunicação para divulgar as novidades de forma clara.
Prêmio Nobel
Ciechanover e Avram Hershko, em colaboração com Irwin A. Rose, do
Centro de Câncer Fox Chase, na Filadélfia (EUA), ganharam o prêmio Nobel
em 2004 devido à descoberta de um sistema que tem como uma de suas
maiores funções o descarte de dejetos de proteínas do corpo, explica o
bioquímico.
O mapeamento genético será mais popular
BBC
— O sistema chamado de ubiquitina, identifica proteínas inúteis e
modificadas. Estas são proteínas prejudiciais que devem ser, de maneira
seletiva, removidas do corpo, mantendo todos os componentes saudáveis
que continuam exercendo suas funções vitais. Esta descoberta está
diretamente relacionada ao câncer, pois este é causado por proteínas
modificadas, que se acumulam de forma anormal.
O cientista continuou seus estudos do sistema da ubiquitina e fez
descobertas adicionais. Ao longo dos anos, se tornou claro que
proteólises mediadas por ubiquitina desempenham um papel importante em
muitos processos celulares, e anomalias neste sistema sustentam
mecanismos patogênicos de diversas doenças, tais como certas
malignidades e transtornos neurodegenerativos. Consequentemente, o
sistema se tornou uma plataforma importante para o desenvolvimento de
medicamentos.
R7
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